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O Genoma da Onça-pintada

O Genoma da Onça-pintada
Caroline Charao Sartor
jul. 27 - 13 min de leitura
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MAIOR FELÍDEO DAS AMÉRICAS

A onça-pintada (Panthera onca) é a maior espécie de felídeo das Américas. Como predadora de topo da cadeia alimentar, a onça-pintada, assim como outros carnívoros, é considerada importante para a manutenção do funcionamento e dinâmica dos ecossistemas. Isso porque os carnívoros controlam o tamanho populacional de suas presas, impedindo que seus números cresçam em demasia, o que poderia causar um desequilíbrio no ambiente, principalmente devido à intensificação da herbivoria e alteração das relações ecológicas entre as espécies. Ainda, ao se alimentar de animais doentes, os predadores ajudam a controlar a dispersão de pragas e doenças.

SÍMBOLO DA BIODIVERSIDADE BRASILEIRA

Foto: Onça-pintada - Adobe Stock.

Além de possuir um papel importantíssimo na manutenção dos ecossistemas, a onça-pintada é considerada uma espécie carismática, o que aumenta o engajamento das pessoas em questões de conservação, e beneficia outras espécies consideradas menos “atrativas”. Assim, a proteção da onça-pintada pode auxiliar na conservação de outras espécies e até mesmo de ecossistemas.

DO SUL DOS ESTADOS UNIDOS ATÉ A PATAGÔNIA ARGENTINA

Foto: Onça-pintada - Adobe Stock.

Originalmente a onça-pintada possuía uma ampla distribuição geográfica: desde o sul dos Estados Unidos até a Patagônia, na Argentina. No entanto, devido às severas alterações nos ambientes em que habita, principalmente devido à perda e fragmentação de seus habitats, a espécie foi extinta em cerca de 50% de sua área de ocorrência.

A degradação do ambiente reduz a quantidade de habitat disponível para a espécie e divide essas áreas em fragmentos de remanescentes de vegetação natural. À medida que esses fragmentos de habitat se tornam menores e espacialmente mais isolados, o tamanho das populações que habitam estes fragmentos é reduzido, e seu isolamento geográfico aumenta. Sem fluxo gênico, isto é, sem reprodução entre indivíduos de diferentes populações, a variabilidade genética das populações diminui. Ainda, populações pequenas são mais susceptíveis ao cruzamento de indivíduos aparentados, o que também reduz a variabilidade genética da população.

A IMPORTÂNCIA DA VARIABILIDADE GENÉTICA

A variabilidade genética é importante para a sobrevivência de uma população, pois ela fornece à seleção natural um maior número de possiblidades sobre as quais ela poderá agir, gerando assim um maior número de adaptações que tendem a aumentar a probabilidade de sobrevivência desta população ao longo do tempo. Populações com variabilidade genética baixa podem apresentar altas taxas de mortalidade, baixa fecundidade, instabilidade no desenvolvimento, maior suscetibilidade a doenças e menor capacidade de adaptação frente a mudanças ambientais, o que aumenta o risco de extinção destas populações.

DOS SEIS BIOMAS BRASILEIROS, A ONÇA-PINTADA AINDA OCORRE EM CINCO DELES, TENDO SIDO EXTINDA NO BIOMA PAMPA.

A Amazônia é considerada a área mais importante para a conservação da espécie, pois é a área que apresenta a maior diversidade genética e o maior tamanho populacional da espécie. No entanto, a crescente expansão do arco do desmatamento e a caça ilegal vem ameaçando a sobrevivência da espécie em inúmeras áreas deste bioma.

Assim como a Amazônia, o Pantanal é um dos principais biomas para a conservação da onça-pintada. Porém, apesar de apresentar tamanho populacional elevado e alta conectividade entre diferentes regiões do bioma, as populações pantaneiras apresentam níveis de diversidade genética moderados.

As populações de onças-pintadas da Mata Atlântica, por outro lado, encontram-se fortemente fragmentadas, ou seja, as onças-pintadas que residem neste bioma estão divididas em pequenos grupos, isolados uns dos outros. Atualmente, estima-se que existam menos de 250 indivíduos em idade reprodutiva neste bioma e análises de viabilidade populacional indicam elevada probabilidade de extinção em algumas áreas de Mata Atlântica nas próximas décadas.

Já nos biomas Cerrado e Caatinga, estima-se que existam cerca de 250-300 indivíduos em idade reprodutiva, e não se conhece a diversidade genética das populações de onça-pintada destes biomas.

Considerando as elevadas taxas de perda e fragmentação dos biomas brasileiros, associadas a pequenas estimativas de número de indivíduos em idade reprodutiva de onças-pintadas em vários destes biomas, a conservação da espécie no futuro poderá depender não apenas da criação de corredores ecológicos e unidades de conservação, mas também da reintrodução de indivíduos.

COMO GARANTIR UM FUTURO PARA A ONÇA-PINTADA?

Projetos de conservação ex situ, isto é, de animais silvestres sob cuidados humanos, vem se tornando uma estratégia importante para a conservação de espécies ameaçadas, pois além de fornecerem indivíduos para reintrodução, também promovem o reforço genético, ou seja, o aumento da variabilidade genética. Assim, projetos que visem à reprodução de indivíduos em cativeiro para posterior reintrodução na natureza estão crescendo em número e importância.

Para a construção adequada de um plantel de indivíduos reprodutores para possíveis programas de reintrodução ou reforço populacional, é necessário levar em consideração fatores como a diversidade genética dos indivíduos em cativeiro e sua representatividade das populações naturais.

Desta forma, programas de reprodução ex situ devem priorizar o cruzamento de indivíduos com baixa similaridade genética, visando a maximizar a diversidade genética mantida na população que servirá de base para futuras solturas na natureza.

Outro fator a ser considerado é que populações de diferentes regiões ou biomas podem apresentar características genéticas próprias, incluindo adaptações a estes ambientes. Desse modo, o pareamento de indivíduos de diferentes regiões pode mascarar esta diferenciação natural e reduzir as adaptações da prole aos diferentes ecossistemas naturais, com isso diminuindo sua chance de sobrevivência na natureza.

PROGRAMA DE CATIVEIRO DA ONÇA-PINTADA

Visando auxiliar na conservação da onça-pintada, o Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Mamíferos Carnívoros (CENAP/ICMBio) e a Associação de Zoológicos e Aquários do Brasil (AZAB) lançaram o Programa de Cativeiro da Onça-Pintada, que irá orientar as melhores destinações e pareamentos das onças-pintadas em cativeiro, bem como traçar um planejamento para a conservação ex situ da espécie em longo prazo.

PROJETO GENÔMICO PARA A CONSERVAÇÃO EX SITU DA ONÇA-PINTADA NO BRASIL

O Programa conta com apoio do Instituto Conhecer para Conservar, do BioParque do Rio e do Laboratório de Biologia Genômica e Molecular da PUCRS. Que através da realização de uma importante pesquisa constroem conhecimentos fundamentais às orientações para a formação um plantel brasileiro de reprodução ex situ de onças-pintadas que seja representativo das populações brasileiras da espécie para o desenvolvimento de futuros projetos de reprodução ex situ e reintrodução na natureza.

Esse plantel será determinado através da caracterização genômica da população ex situ no Brasil. Para isso, estão sendo sequenciados e analisados genomas completos de 18 indivíduos de onças-pintadas com potencial reprodutivo que se encontram sob cuidados humanos em diversas instituições mantenedoras brasileiras.

Os indivíduos cujos genomas serão sequenciados foram escolhidos com base em dois critérios:

(i) ter procedência geográfica em natureza conhecida, dando prioridade para onças provenientes dos biomas Mata Atlântica, Caatinga e Cerrado, pois são os biomas mais ameaçados e/ou ainda pouco estudados geneticamente; e

(ii) estar em idade reprodutiva (menos de 15 anos).

O TINDER DAS ONÇAS-PINTADAS?

Com base na variabilidade genética dos indivíduos, serão recomendados possíveis pareamentos (formação de casais) para a reprodução ex situ da espécie que aumentem a variabilidade genética das populações naturais, auxiliando assim, na sua conservação.

Foto: Onças-pintadas - ShutterStock.

 

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