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Pesquisa no AquaRio: A Microbiologia na proteção dos recifes de coral

Pesquisa no AquaRio: A Microbiologia na proteção dos recifes de coral
RAQUEL PEIXOTO
out. 29 - 12 min de leitura
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Qual a importância dos recifes de coral?

Você já parou pra pensar na importância daqueles organismos sésseis, que habitam e formam lindas estruturas marinhas chamadas de recife de coral? Pois então, corais, esses animais marinhos que muitas vezes são confundidos com “pedras” ou “plantas”, são na verdade organismos que não ficam “tão parados assim” já que são capazes de precipitar carbonato de cálcio para formar esqueletos basais de aragonita. Alguns corais são capazes de formar recifes, formando estruturas carbonáticas complexas que, em condições ideais, compõem ecossistemas de extrema biodiversidade, os recifes de coral, considerados as maiores estruturas vivas do nosso planeta. Esses ecossistemas são frequentemente comparados a florestas tropicais devido a alta biodiversidade que abrigam. Além disso, eles participam ativamente dos ciclos biogeoquímicos e da proteção da costa contra ondas, erosão e tempestades.  Apesar de sua grande importância ecológica e econômica, os recifes de coral vêm sofrendo um acelerado declínio no mundo todo, causado por diversos fatores, sendo o principal o aumento da temperatura média da água do mar, que é uma consequência das mudanças climáticas.  Estima-se que todos os recifes de coral de mar raso serão severamente impactados até 2050, com uma alta probabilidade de extinção desses organismos em larga escala.

O que estamos fazendo para tentar contribuir com a proteção dos recifes de coral?

No ano de 2016, ainda antes da inauguração do AquaRio, foi estabelecida uma colaboração entre a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e o Centro de Pesquisa Científica do AquaRio. A parceria tem gerado resultados científicos extremamente inovadores a respeito da utilização de biotecnologia como solução para salvar os recifes de coral dos impactos provocados pelas mudanças climáticas, doenças e poluição.

O trabalho que venho coordenando tem como base a associação simbiótica dos corais com micro-organismos, incluindo as algas dinoflageladas (família Symbiodiniaceae), bactérias, fungos, vírus e arqueias. Nesse trabalho desenvolvemos e aplicamos uma abordagem polifásica, que inclui o uso de metodologias tradicionais de cultivo de micro-organismos, em conjunto com métodos de Genética Molecular, para uma melhor compreensão das relações simbióticas no “Holobionte” coral (isto é, o coral e todos os micro-organismos que vivem dentro dele, em perfeita harmonia, isto é, simbiose), assim como aspectos ecológicos que influenciam essas relações.

Nosso grupo de pesquisa propôs e desenvolveu uma estratégia inovadora de manipulação do microbioma de corais, com o objetivo de aumentar a resistência e resiliência desses organismos frente à agentes estressores e poluentes, como o aumento de temperatura dos oceanos, poluição e a infecção pelo patógeno de corais, como a bactéria Vibrio coralliilyticus. Essa estratégia consiste em isolar, do próprio coral,  micro-organismos com potencial benéfico para os mesmos. Esses micro-organismos, por nós denominados de BMCs (do inglês, Beneficial Microorganisms for Corals), são então utilizados como probióticos para corais, que atuam tanto na melhora geral da saúde dos corais (organismos mais saudáveis são mais resistentes a qualquer impacto), como também combatem diretamente alguns impactos específicos, por exemplo, eliminam os agentes causadores de doenças através de mecanismos de antagonismo, participam da mitigação (neutralização ou degradação) de compostos tóxicos, etc.

Os resultados das pesquisas desenvolvidas em parceria com o Centro de Pesquisas do AquaRio demonstraram que os micro-organismos isolados e selecionados por apresentarem características potencialmente benéficas para o coral da espécie Pocillopora damicornis, foram capazes de aumentar a resistência dos corais quando submetidos ao estresse de aumento de temperatura, além de diminuir o impacto causado pelo branqueamento pelo patógeno (Rosado et al. 2019). Além disso, outro experimento realizado no AquaRio, com a espécie endêmica do Brasil, Mussismilia hispida, observou que o consórcio BMC específico para este coral foi capaz de aumentar a sua resiliência à estresse térmico, prevenindo ainda mortalidade desses corais (Santoro et al 2020, in prep.). Nesse mesmo trabalho, identificamos os mecanismos moleculares mediados pelo consórcio BMC que conferem proteção aos corais.

Os primeiros experimentos executados de forma pioneira no AquaRio foram muito complexos e desafiadores, já que nenhum protocolo ou abordagens semelhantes anteriores haviam sido realizados para corais. Dessa forma, vencendo esses desafios, nosso grupo desenvolveu não apenas o conceito BMC e os protocolos para sua utilização, mas também construiu no AquaRio sistemas experimentais específicos para estudos ecológicos de organismos recifais e suas microbiotas, incluindo o laboratório de ecologia experimental que possui dois mesocosmos, um sistema experimental para estudos de esponjas, um sistema experimental para estudos de ecologia experimental marinha, que possuem o que há de mais atual em tecnologia para dar suporte às pesquisas e estudos com organismos bentônicos, o que tem atraído vários grupos do mundo inteiro para o desenvolvimento de parcerias e experimentos em nossos mesocosmos que tem sido considerados “estado da arte” (isto é, os mais avançados). Os mesocosmos são sistemas experimentais que simulam com muito realismo as condições naturais, propiciando resultados robustos e preditivos quanto a impactos em organismos marinhos. Esses sistemas podem simular a intensidade luminosa, a qualidade da água e a movimentação de água no ambiente recifal, tanto de ambientes recifais rasos quanto recifes profundos.

Imagem do Centro de Pesquisas do AquaRio

Os resultados das nossas pesquisas contribuíram para a criação de uma nova linha de pesquisas internacional, no desenvolvimento de BMCs para diferentes espécies de corais do mundo todo, o que tem tido ampla cobertura da mídia nacional e internacional, com grande destaque para essa estratégia inovadora e sustentável para a conservação dos recifes de coral. Como um dos frutos, fui a fundadora da rede internacional BMMO (Beneficial Microorganisms for Marine Organisms), que conta com pesquisadores de mais de 40 laboratórios de cerca de 10 países, que visam acelerar o desenvolvimento dessa nova linha de pesquisas nascida no Brasil. Outro exemplo do reconhecimento da importância do trabalho desenvolvido por nossa parceria foi o prêmio internacional “Out of the Blue Box Reef Innovation Challenge”. Esse prêmio escolheu nosso trabalho, entre trabalhos de grupos de pesquisas de países do mundo inteiro, através de seleção por comitê científico e em seguida voto popular, como a “solução para salvar os recifes de corais” e foi organizado e oferecido pela Great Barrier Reef Foundation’s, da Austrália, em parceria com a Tiffany & Co. Foundation. Esse prêmio, de AU$ 150.000,00, tem contribuído para o desenvolvimento de vários novos experimentos com probióticos para corais. Esses novos experimentos incluem o uso de rotíferos da espécie Brachionus plicatilis como carreadores de BMCs (Assis et al., em revisão), o que está sendo testado e aprimorado nesse momento nos nossos mesocosmos.

Várias outras pesquisas foram realizadas nesses mais de 4 anos de parceria, como por exemplo, a pioneira investigação dos efeitos de um desregulador endócrino, o etinilestradiol, no microbioma e na saúde dos corais, visto a poluição do ecossistema marinho com esses compostos (Vilela et al., em revisão). Outro estudo objetivou verificar os efeitos do aumento da acidificação e da temperatura dos oceanos em esponjas calcárias, trazendo informações inéditas acerca da sobrevivência das esponjas calcárias em um cenário futuro dos oceanos acidificados e/ou mais quentes (Ribeiro et al., aceito para publicação, pesquisa coordenada pela Professora Michelle Klautau do IB/UFRJ), entre outros.

Imagem do Centro de Pesquisas do AquaRio

Complementando os experimentos em sistemas mesocosmos, nosso grupo de pesquisa desenvolve com o AquaRio atividades em campo, para o estudo dos impactos nos recifes de coral do Brasil, assim como para a criação de cultivos de coral para a restauração recifal, com o intuito de repovoamento das espécies ameaçadas principalmente pelas mudanças climáticas e poluição por óleo, na região Sul da Bahia. O documentário “Abrolhos – De olhos bem abertos” irá relatar a exuberante diversidade de espécies marinhas da região de Abrolhos, assim como a nossa pesquisa realizada em sistemas de mesocosmos, pode então ser aplicada no ambiente natural.

Além de todas as conquistas científicas, essa colaboração produtiva tem permitido a formação de recursos humanos altamente especializada no cultivo e proteção de corais, desenvolvimento e operação de sistemas de mesocosmo e microbiologia de corais e esponjas, com a publicação de artigos em revistas de alto impacto científico, todos relacionados a monitoramento da saúde dos recifes de coral brasileiros, poluição aquática, biorremediação, microbiologia de corais e metabólitos secundários oriundos de corais (exemplos: Peixoto et al. 2017; Vilela et al. 2019; Duarte et al. 2020, Wilkins et al. 2019; Rosado et al. 2019; Villela et al. 2019; 2019, Modolon et al. 2020, Leite et al. 2017; Machado et al. 2019; Silva et al. 2019; Peixoto et al. 2019). Além dos trabalhos publicados, monografias, teses e outros trabalhos já estão submetidos e em processo de escrita, o que reforça ainda mais o sucesso dessa colaboração.

 

Referências

Duarte, G. A., Villela, H. D., Deocleciano, M., Silva, D., Barno, A., Cardoso, P. M., et al. (2020). Heat waves are a major threat to turbid coral reefs in Brazil. Frontiers in Marine Science, 7, 179.

Leite, D. C., Salles, J. F., Calderon, E. N., Castro, C. B., Bianchini, A., Marques, J. A., et al. (2018). Coral bacterial-core abundance and network complexity as proxies for anthropogenic pollution. Frontiers in microbiology, 9, 833.

Leite, D. C., Salles, J. F., Calderon, E. N., van Elsas, J. D., & Peixoto, R. S. (2018). Specific plasmid patterns and high rates of bacterial co‐occurrence within the coral holobiont. Ecology and evolution, 8(3), 1818-1832.

Machado, L. F., de Assis Leite, D. C., da Costa Rachid, C. T. C., Paes, J. E., Martins, E. F., Peixoto, R. S., & Rosado, A. S. (2019). Tracking mangrove oil bioremediation approaches and bacterial diversity at different depths in an in situ mesocosms system. Frontiers in microbiology, 10, 2107.

Modolon, F., Barno, A. R., Villela, H. D., & Peixoto, R. S. (2020). Ecological and biotechnological importance of secondary metabolites produced by coral‐associated bacteria. Journal of Applied Microbiology.

Peixoto, R. S., Rosado, P. M., Leite, D. C. D. A., Rosado, A. S., & Bourne, D. G. (2017). Beneficial microorganisms for corals (BMC): proposed mechanisms for coral health and resilience. Frontiers in Microbiology, 8, 341.

Peixoto, R. S., Sweet, M., & Bourne, D. G. (2019). Customized medicine for corals. Frontiers in Marine Science, 6, 686.

Rosado, P. M., Leite, D. C., Duarte, G. A., Chaloub, R. M., Jospin, G., da Rocha, U. N., et al. (2019). Marine probiotics: increasing coral resistance to bleaching through microbiome manipulation. The ISME journal, 13(4), 921-936.

Silva, D. P., Duarte, G., Villela, H. D., Santos, H. F., Rosado, P. M., Rosado, J. G., et al. (2019). Adaptable mesocosm facility to study oil spill impacts on corals. Ecology and Evolution, 9(9), 5172-5185.

Vilela, C. L. S., Bassin, J. P., & Peixoto, R. S. (2018). Water contamination by endocrine disruptors: Impacts, microbiological aspects and trends for environmental protection. Environmental pollution, 235, 546-559.

Villela, H. D., Peixoto, R. S., Soriano, A. U., & Carmo, F. L. (2019). Microbial bioremediation of oil contaminated seawater: A survey of patent deposits and the characterization of the top genera applied. Science of the Total Environment, 666, 743-758.

Villela, H. D., Vilela, C. L., Assis, J. M., Varona, N., Burke, C., Coil, D. A., et al. (2019). Prospecting Microbial Strains for Bioremediation and Probiotics Development for Metaorganism Research and Preservation. JoVE (Journal of Visualized Experiments), (152), e60238.

Wilkins, L. G., Leray, M., Yuen, B., Peixoto, R., Pereira, T. J., Bik, H. M., et al. (2019). Host-associated microbiomes and their roles in marine ecosystem functions. PeerJ Preprints, 7, e27930v1.

 


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